O Brasil afirmou hoje que vai abrir mão de um dispositivo dentro do acordo do clima que permitiria países de exportar créditos de carbono sem que precisem ampliar suas metas de cortes. Essa nova posição, que desviaria da posição histórica do país em negociações na área, foi confirmada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, na conferência do clima de Glasgow (COP26).
O intuito do anúncio, afirmou, foi destravar o debate sobre Artigo 6 do Acordo de Paris, que deve regulamentar os mercados de carbono.
O Artigo 6 versa sobre mecanismos de cooperação e precificação do de CO2. Num mercado de carbono global, um país que cumprir sua meta de corte de emissões pode vender esse cumprimento adicional na forma de créditos de carbono. A ideia é tornar as metas dos países mais fluidas e facilitar o corte global nos gases-estufa.
O Brasil vinha insistindo, porém, na ideia de que empresas possa vender créditos de carbono para outros países sem que a promessa brasileira de corte de emissões tenha de ser ajustada. Essa lacuna, que pode prejudicar a ambição global para combater a crise do clima.
Em Glasgow, o ministro diz que o país apoia uma proposta de texto para o Artigo que não abre mais margem para contagem dupla. Questionado sobre se o Brasil estava abrindo mão do posicionamento anterior, entretanto, afirmou que o movimento "não é abrir mão", "é claramente um posicionamento construtivo do Brasil nessa proposta".
A discussão tem uma área cinza, porque negociadores brasileiros tinham posições diferentes para os parágrafos 2 e 4 do artigo, que tratam respectivamente de comércio de emissões internacional entre países e entre empresas.
O Brasil era favorável a ajustes correspondentes na NDC para créditos de carbono trocados entre países. Quando empresas vendessem créditos num mercado internacional, porém, o Brasil era mais reticente a aceitar o ajuste, porque tem receio de que o movimento de uma empresa obrigue o país a rever uma política de estado.
Apesar de rejeitarem ajustes correspondentes por créditos vendidos por empresas, nunca reconheceram, porém, que isso seria "contagem dupla", apesar de críticas de ambientalistas e especialistas.
Em entrevista coletiva concedida hoje, Leite não detalhou a posição do país, mas fez referência a um esboço de texto que está na mesa de negociação em Glasgow buscando um consenso.
“Já tem uma proposta em andamento, que o Brasil claramente está apoiando, uma proposta que garante toda a integridade do sistema, para que o sistema e o mercado e o Artigo 6 sejam uma ferramenta de mais ambição [de cortes de emissão] e de uma transição mais justa, especialmente para regiões que precisam de incentivo”, afirmou o ministro.
“Infelizmente alguns países estão resistentes a essa proposta apoiada pelo Brasil e por vários outros países, e nós temos 48 horas para tentar buscar esse consenso”, completou.
Se na última conferência do clima, em 2019, o Brasil foi o maior bloqueador das negociações, quem está travando as negociações agora é a Suíça, que não está de acordo com outros países ricos que também têm interesse no comércio de emissões.
O tipo de mecanismo que a Suíça apoia, porém, difere daquele proposto agora no esboço feito pelo Japão, ao qual o Brasil aderiu.
Uma outra posição do Brasil que conflitava com países desenvolvidos em 2019 era a transferência de créditos de carbono gerados no contexto de outro acordo climático, o Protocolo de Kyoto, vigente até 2020. Muitos países em desenvolvimento queriam transportar esses créditos para o novo acordo, o que também poderia comprometer a soma total de ambição de corte de emissões num novo mecanismo global de mercado de carbono, que o Acordo de Paris prevê.
Sobre esses créditos, Leite diz que os negociadores brasileiros buscam consenso de maneira diferente, sem abrir mão da demanda anterior.
“Nesse novo texto tem uma transição para Kyoto de uma forma responsável, que garanta a integridade do sistema”, disse Leite.
A Suíça, que tem interesse em um formato de comércio de emissões voluntário, num modelo diferente do defendido por outros países ricos, anunciou hoje um acordo bilateral com Peru, Gana, Senegal, República Dominicana e Vanuatu para um mercado de emissões dentro do grupo. A ausência do Brasil no acordo, pelo país ser um grande potencial gerador de créditos de carbono, recebeu crítica de ambientalistas.
Simonetta Sommaruga, chefe do departamento de ambiente da Suíça e enviada do país para a COP26, insistiu durante o anúncio em descrever que o acordo entre os países não abria margem para 'dupla contagem' e estava em linha com o Acordo de Paris, que tem uma referência explícita contra dupla contagem em seu texto.
“Esse acordo permite a comercialização de redução de emissões, os ITMOs, com alto padrão para integridade ambiental e desenvolvimento sustentável. As reduções de emissão atingidas não podem ter dupla contagem dupla, nem esta pode ser reivindicada”, afirmou Sommaruga, que foi presidente da Confederação Suíça em 2015 e 2019.
Fonte: Valor Econômico
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