Já há sinais de que regime de chuvas pode estar mudando, e avanço do desmatamento e das mudanças climáticas pode piorar situação
Uma das maiores secas das últimas décadas foi a grande responsável por uma sucessão de aumentos pesados na conta de luz dos brasileiros.
Desde o ano passado e também em 2021 adentro, as chuvas nas regiões onde ficam algumas das principais hidrelétricas do país, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, vieram nos menores níveis em décadas.
Como resultado, os reservatórios esvaziaram e o governo teve que recorrer a fontes de geração complementares, mais caras do que a água que vem de graça, para que o país não ficasse sem energia.
Foi exatamente a mesma falta de chuva que atrapalhou diversas lavouras em estados como São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná, algumas das principais regiões agrícolas do país. Isso acabou pesando também no preço de vários alimentos e até do etanol.
Café, açúcar, legumes e muitas frutas são alguns itens que têm alta perto de 20% ou mais nos últimos 12 meses, de acordo com os dados do IPCA, o índice oficial de inflação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Todos eles foram prejudicados por quebras de safra por seca ou geada – ou ambas – no Sudeste e no Sul do país no último ano.
O frango, que se alimenta de milho, que ficou sem água no Mato Grosso do Sul e no Paraná, está 30% mais caro. A conta de luz também subiu 30%, na média, e o etanol, cuja cana também apanhou da seca e das geadas em São Paulo, saltou 67%.
A boa notícia é que, em outubro, as chuvas da região voltaram mais fartas e ajudaram a estancar, um pouco, os prejuízos.
A má notícia é que um ou outro mês de chuva regular será ainda muito pouco para desfazer os prejuízos criados ao logo do ano inteiro. Não é o suficiente para encher logo os reservatórios e levar os preços tanto da energia quanto da comida de volta para a normalidade tão cedo.
Outra má notícia é que há indícios de que secas intensas como a deste ano podem se tornar cada vez mais recorrentes. Isso significaria hidrelétricas vazias, plantações prejudicadas e, portanto, falta de produtos e aumentos de preços com muito mais frequência nos anos à frente.
Pior seca desde os anos 60
“É normal haver secas de tempos em tempos. O que chama a atenção nesta é que ela vem de uma sequência longa de anos com chuvas abaixo da média”, diz o meteorologista Mozar Araújo Salvador, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
De acordo com levantamento feito pelo Inmet, 2020 foi o segundo ano com menos chuvas na região da bacia do Rio Paraná desde 1961, até quando há dados disponíveis. E 2021 caminha para ser o terceiro ou empatar (só será possível saber quando o ano terminar).
O Paraná é o rio que corta todos os principais estados atingidos pela seca deste ano.
Até hoje, o pior ano da região continua sendo 1963, quando o volume de chuvas ficou mais de 400 milímetros abaixo da média histórica, que é de 1000 a 1500 milímetros de precipitação por ano.
A diferença é que aquele foi um ano isolado entre outros que tiveram chuvas normais. Agora assistimos a uma sequência inédita de anos ruins.
Já são seis anos seguidos com precipitação abaixo da média – e bastante abaixo da média. Dos dez anos entre 2012 a 2021, em oito choveu menos. Nada parecido tinha acontecido, nesta intensidade, desde 1961.
“Apesar de já serem seis anos, trata-se ainda de uma série muito recente para o histórico do clima, e não dá para afirmar que há uma mudança de padrão”, diz Salvador.
As grandes seguradoras, que têm entre as modalidades o seguro agrícola, para cobrir perdas dos produtores com secas e geadas, por exemplo, também sentem um aumento na procura – não só porque o setor amadureceu e ampliou a cobertura, mas também porque os problemas parecem estar mais recorrentes.
“No período mais recente, observamos uma frequência maior de eventos como estiagens mais prolongadas em algumas regiões, e observamos, sim, um aumento nos acionamentos de sinistros nos últimos anos”, conta o superintendente de seguros rurais da BB Seguros, Paulo Hora.
La Niña e desmatamento
De acordo com Salvador, do Inmet, é difícil mensurar o quanto dessa mudança de padrão dos últimos anos é resultado de causas naturais e o quanto já é resultado das interferências do homem no clima. “Pode ser influência da La Niña, e pode ser também efeito das mudanças climáticas e do desmatamento”, diz.
A La Niña é um fenômeno natural de resfriamento das águas do Oceano Pacífico e que, a depender da intensidade, pode potencializar os riscos de seca no Sul e no Sudeste do Brasil em determinados períodos do ano.
O desmatamento em regiões-chave como a Amazônia, por sua vez, algo que há décadas vem reduzindo a cobertura vegetal da maior floresta tropical do mundo e que voltou a acelerar nos últimos anos, reduz a umidade e transporte de umidade pelos territórios vizinhos no Brasil.
Ou seja, controlar essas interferências é também uma maneira de, no longo prazo, evitar que a vida fique mais cara de diversas maneiras.
“Parte gigantesca da chuva que vai para o Sudeste e o Sul é transportada da região amazônica, e a manutenção da floresta ajuda a manter esse processo”, explica Santiago.
Menos chuva, menos comida, mais inflação
Nos alimentos, a falta de chuva pode afetar as lavouras de diversas maneiras. Pouca água no solo, se não inviabiliza ou mata totalmente a plantação, pode gerar menos grãos e frutos nas plantas, ou mesmo frutos menores.
O resultado são aumento de custos para os produtores, plantações menos produtivas, colheitas encolhidas e, por consequência, preços mais altos no mercado.
Foi o que aconteceu com o café, que teve uma safra 23% menor que a de 2020, e com a laranja, por exemplo.
“O número de frutos [da laranja] veio maior do que em 2020, mas eles não tiveram volume para encher as caixas [de suco], porque faltou água no solo e os frutos ficaram menores”, conta o coordenador de produção agrícola da CNA, Maciel Silva. No varejo, a laranja lima sobe 15% e, a laranja pera, 18%.
Outro efeito das chuvas desreguladas são colheitas que podem ficar prontas mais tarde ou ter intervalos maiores entre uma e outra, criando períodos de entressafra – quando os produtos já ficam naturalmente mais caros – maiores.
Foi o caso da soja e do milho, que são plantados alternadamente nas mesmas áreas ao longo do ano.
“Com as poucas chuvas [no fim do ano passado], alguns esperaram para plantar quando chovesse, e demorou a chover. Outros arriscaram, perderam e tiveram que plantar de novo”, conta Salvador, do Inmet.
“As alterações das chuvas da última safra têm seguido um comportamento semelhante de alguns anos mais recentes”, diz Silva, da CNA.
“Com isso, já se começa a assumir a possibilidade de um plantio um pouco mais tardio. A plantação que era esperada para acontecer na primeira ou segunda semana de setembro, já se cogita que pode ser feita no fim de setembro ou começo de outubro.”
Fonte: CNN Brasil
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