As usinas de etanol e de açúcar brasileiras tendem a ganhar ou perder com a eleição de Joe Biden como presidente dos EUA? E quais serão os impactos do governo que toma posse em janeiro para o agronegócio do Brasil?
Para avaliar estas e outras questões pertinentes, o portal Energia Que Fala Com Você entrevista o economista Haroldo Torres.
Mestre em Economia Aplicada pela Esalq/USP e doutorando pela mesma instituição, Torres possui especialização no desenvolvimento de modelos e sistemas voltados para análise de custos de produção no setor sucroenergético. Ele também é gestor de projetos do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (PECEGE).
Confira a entrevista abaixo
Que avaliações positivas e negativas o senhor pode fazer com o novo governo dos EUA?
Haroldo Torres -- É importante dizer que a gente vive momento turbulento e, ao mesmo tempo, polarizado. Ou seja, o que iremos precisar, e isso será um dos objetos de mudança em relação ao governo dos EUA, é uma coordenação para que a gente tenha uma discussão centralizada em diversos pontos que são extremamente relevantes. Meio ambiente, mudança climática, segurança biológica, saúde pública, questão de dados (segurança cibernética), migração, compliance, transparência.
E eu vejo que essa é uma linha que o [presidente Joe] Biden tenderá seguir: no reposicionamento dos Estados Unidos e no fortalecimento das relações multilaterais.
De outro lado, no caso brasileiro sempre olhamos como ponto negativo a rivalidade China x Estados Unidos. Vimos muitas pessoas do agronegócio em torcida pelo [presidente atual Donald] Trump.
Mas eu costumo dizer que essa rivalidade ficará, e não irá terminar com a eleição do Biden. E por que? Porque a China cresce em uma velocidade gigantesca, é uma ameaça, sim, à hegemonia americana, e para qualquer presidente isso será um risco.
Muito embora há, em minha visão, um ponto positivo. Teremos menos volatilidade, menos turbulência nas relações China-EUA no mandato de Joe Biden.
Eu não acredito que o novo governo americano se desviará tão forte tal qual como o Trump seguia, na linha dura, de volatilidade, de insegurança.
O ponto positivo é que teremos um comércio internacional um pouco menos volátil também no âmbito de incerteza.
Por outro lado, mesmo nesse cenário não tenho dúvida alguma que o Brasil se beneficiou da guerra comercial China-EUA, que começou logo após a eleição de Trump, em 2017.
E qual é a ameaça e ponto negativo que podem surgir disso?
É um acordo tácito entre eles que pode, sim, prejudicar o nosso agro.
Só que minha maior preocupação é a postura que os Estados Unidos terá em relação a alguns temas, em especial a mudança climática, totalmente diferente ao que Trump via.
E aqui, em mudança climática e meio ambiente, eu vejo um ponto de atenção.
Ou seja, a partir de agora o Brasil, no agro, não deverá estar tão preocupado com relação à China. Pelo contrário.
A gente deve estar muito mais preocupado é com a sustentabilidade, com a promoção de fontes renováveis, olhar muito mais para questões de como reduzir o desmatamento no Brasil.
A grande virada que nós vamos ter no agronegócio é sua sustentabilidade. Já o é, mas iremos precisar olhar com mais atenção e carinho a essa questão específica.
E qual é o ponto positivo?
O que vejo é teremos um governo americano muito mais alinhado em termos de previsibilidade e estabilidade. E, além disso, vejo que neste momento Biden tem de olhar muito mais para problemas domésticos do que externos. Sejam problemas ligados a Covid, a economia e a infraestrutura.
Portanto, não vejo questões externas como China e Brasil virem em um primeiro momento à tona.
E é preciso dizer que Biden, em termos de pontos positivos, traz os EUA ao velho normal, que era aquela situação de normalidade, os Estados Unidos atuando como facilitador nas organizações internacionais, na cooperação internacional como um todo, seja Acordo de Paris e Organização Mundial do Comércio.
Mas é preciso alertar que o Brasil corre o risco de ficar isolado se não rever suas posições de política externa.
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Caso os EUA sejam novamente subscritos no Acordo do Clima, programas como o RenovaBio [clique aqui para ler sobre] podem colaborar com país do agora presidente Joe Biden?
Haroldo Torres -- O ponto aqui é os EUA voltarem ao jogo, retornarem ao Acordo do Clima [oficializado em dezembro de 2015 e do qual os Estados Unidos saíram]. Isso tende a fortalecer os movimentos mundiais em benefício de uma economia de baixo carbono.
Eu vejo muito mais o fortalecimento do RenovaBio nesse cenário, do que necessariamente de uma situação de o Brasil vir a exportar etanol aos EUA para efeitos de cumprimento das metas de descarbonização [previstas no Acordo de Paris].
Esse modelo já ocorre. Temos usinas de etanol que são certificadas para exportação de o mercado americano. Mas não o vejo como principal modelo. Vejo o fortalecimento do RenovaBio como um todo.
Toda a sociedade se beneficiaria uma vez que teríamos, neste momento, um maior apelo mundial, e chancelado inclusive pelos EUA, de valorizar uma economia de baixo carbono, onde o Brasil já tem um programa [o RenovaBio]. Ele ainda está desenvolvimento, com percalços e problemas iniciais.
Mas os EUA, ao retornarem ao Acordo de Paris, tendem a contribuir com a economia de baixo carbono, no qual o RenovaBio é um dos mecanismos.
O RenovaBio institui os créditos de descarbonização, os CBIOS, que equivalem cada um a a 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2) que deixa ser emitida. Esses títulos, que são comercializados na Bolsa B3, podem também a uma possível demanda americana, já que os EUA precisarão reduzir as emissões previstas no Acordo de Paris?
Haroldo Torres -- Aqui há duas situações. O mercado de CBIOs deve ser estendido para além dos agentes compulsórios, que são as distribuidoras de combustíveis, que atendem as usinas de etanol [obrigadas a adquirir CBIOs para compensar os combustíveis poluentes comercializados].
[Os CBIOs] não podem ficar [apenas] nas distribuidoras, mas em investidores institucionais, a empresas que queiram mitigar os seus impactos [ambientais], ou a outros governos que queiram adquiri-los.
Para isso, ele precisa ser um mercado aberto e disponível inclusive para agentes não residentes no Brasil. Esse é o primeiro driver.
A meu ver, o segundo driver, e que talvez possamos catalisar o RenovaBio, é criar um processo de fungibilidade do programa com outros programas de carbono do mundo. Ou seja, o RenovaBio deixa de ser um programa só brasileiro para ter fungibilidade com outros programas, tanto em termos de quantidade, preços e processos, e ganhar corpo.
Então, neste momento, vejo pouco factível a aquisição de CBIOs pelos americanos, porém vejo que precisamos trabalhar em instrumentos do mercado doméstico para facilitar este processo. Primeiro deles é relacionado à tributação, enquanto o segundo é para aquisição dos créditos pelos não residentes e, terceiro, pensar em um processo de fungibilidade do ativo.
Quando tivermos resolvido essas três questões, os três drivers, aí sim teremos condições de ampliar a aquisição de CBIOs por outros países
Como o sr. avalia que o Brasil deve fazer com a política de importação de etanol americano, que atualmente prevê a entrada de 750 milhões de litros por ano isentos de impostos?
Haroldo Torres -- O primeiro ponto que quero destacar é que as usinas de etanol americano, ao chegar ao Brasil, prejudica principalmente as usinas de etanol do Nordeste brasileiro [porque o combustível entra por meio de portos de estados nordestinos].
Mas é preciso atentar que a importação desse etanol nas usinas só faz sentido sobre um cenário: o custo de importação, mais a margem do importador, deve fazer o produto chegar ao Brasil a um preço tão competitivo quanto o próprio produto do mercado doméstico.
Neste momento [10 de novembro, data dessa entrevista], mesmo com a taxa de câmbio se arrefecendo, importar etanol das usinas ainda é impeditivo. Ou seja, ele não chega a preços competitivos no Nordeste.
Por outro lado, é importante o Brasil adotar uma política de reciprocidade. Dessa forma, que a gente consiga inserir uma política de importação das usinas de etanol, em termos de cota ou de tarifa, condizente com a reciprocidade do mercado americano.
Se o dólar seguir em baixa, como neste início de novembro, o que pode acontecer com os produtos sucroenergéticos?
Haroldo Torres -- De janeiro a outubro, o real se desvalorizou quase em 40%. Foi a moeda mais desvalorizada em 2020, superando o peso argentino e a lira turca. Não havia fundamento para a taxa de câmbio estar nessa magnitude.
Por outro lado, qual é a variável que explica este comportamento? A principal delas, que contribuiu com a desvalorização do real, se chama risco fiscal. Ou seja, o Brasil saiu de uma dívida bruta em relação ao PIB de algo em torno de 70% para superar os 90%. Nos próximos anos deveremos atingir os 100%.
Isso mostra que no Brasil começa a surgir o perigo do risco fiscal. Ou seja: o perigo de o Brasil não conseguir colocar as contas públicas no trilho e a gente seguir um caminho desgovernado e retomar uma situação que já vivenciamos em nossa história recente. E com retomada de inflação e necessidade de aumento das taxas de juros.
Neste momento vejo que o arrefecimento recente da taxa de câmbio reflete dois movimentos. O primeiro é a percepção de recuperação da economia mundial, vinda justamente no momento de anúncio de potenciais vacinas contra covid-19, e da eleição de Joe Biden, sinalizando menor turbulência e menor volatilidade nos mercados mundiais.
Porém isso não será suficiente para levar a taxa de câmbio a níveis inferiores ao observado, por exemplo, no início de 2020, abaixo de R$ 5 o dólar.
Quero dizer que iremos conviver ainda com taxa de câmbio elevado, embora com sinais de arrefecimento, que são temporários. Só veremos câmbio retomando para patamar mais valorizado, e o dólar se enfraquecendo, à medida que caminham as reformas administrativa e tributária, com vistas a garantir a retomada do crescimento econômico a questão de austeridade fiscal, principalmente o compromisso do teto dos gastos, entre outros assuntos.
A meu ver, é um pouco de euforia falar em dólar enfraquecido. Temos um problema muito maior, que é o risco fiscal, que não será resolvido do dia para a noite.
Por outro lado, grande parte das usinas de etanol exportadoras já tem sua fixação. Ou seja, o câmbio já está travado para essas operações na atual e para a próxima safra.
Não vejo como algo negativo e o câmbio ainda continuará ajudando o setor sucroenergético, especificamente para a exportação de açúcar nos próximos anos. Até que a gente resolva o problema fiscal no Brasil e tenha condições de retomar para um câmbio abaixo dos R$ 5, o que só acontecerá diante o avanço das reformas.
Quais suas avaliações para a safra de cana 2021/22, prevista para começar em abril próximo na região Centro-Sul do Brasil?
Haroldo Torres -- Tivemos em 2020 um ano extremamente seco, dos mais secos de nossa história. E isso trouxe dois grandes efeitos: o primeiro é o desenvolvimento muito fraco de algumas variedades de cana plantadas durante o período de estiagem, e, o segundo, é o avanço da cana nas áreas que acabaram incendiadas. Isso danificou soqueiras [cana em fase de produção] e o desenvolvimento da própria planta.
Portanto quase se fala em abril próximo, é preciso lembrar que, diante a situação, algumas usinas de etanol já planejam iniciar mais tarde a safra 21/22. Isso em função da necessidade de se esperar maior desenvolvimento da planta.
Sendo assim, poderemos ter uma entressafra [período entre o fim de uma safra e o começo da outra] mais longa. Isso porque a safra 20/21 acabou mais cedo [normalmente vai até dezembro], devido ao clima seco e a moagem acelerada, e a próxima começará mais tarde.
Assim, o risco e o impacto que possam surgir em termos de moagem [processamento da cana] na próxima safra serão em oferta limitada de planta, em função do seu desenvolvimento no Centro-Sul, embora tudo isso depende ainda das chuvas de verão.
Outra questão é a possível redução de oferta de cana por conta da menor área plantada, seja por redução de plantio ou da migração para cultivo de soja por fornecedores de cana.
Sendo assim, haverá impactos de produtividade de cana em função da seca, das queimadas e da redução de área cultivada.
Fonte: Portal Energia que fala por você - retirado do Portal SIAMIG
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