Aposta no álcool obtido da cana-de-açúcar faz país reduzir sua dependência do petróleo
Entre os automóveis que cruzaram a linha de chegada da primeira corrida realizada no Circuito da Gávea, no Rio de Janeiro, em agosto de 1925, estava um Ford de quatro cilindros, da Estação Experimental de Combustíveis e Minérios (EECM). Não há registros de em que lugar o carro terminou a prova. Pouco importa. Independentemente do resultado, o Fordinho entraria para a história como o primeiro veículo de que se tem notícia a rodar com álcool no Brasil. De lá para cá, o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar foi determinante para que o país reduzisse sua dependência do petróleo e, posteriormente, passasse a ser reconhecido como “combustível verde”.
Considerado um protótipo experimental, o Ford da EECM tinha como combustível o álcool etílico hidratado 70% (com 30% de água). As pesquisas com o etanol tinham sido encomendadas pelo presidente da república Arthur Bernardes, que estava preocupado com as crescentes demandas mundiais por petróleo, em um momento em que o Brasil importava grandes volumes do combustível fóssil. As experiências da EECM abriram caminho para que, ao longo da década de 1930, o etanol fosse misturado à gasolina, contribuindo para reduzir as importações brasileiras de petróleo.
O impulso definitivo que tornaria o etanol uma importante fonte alternativa da matriz energética brasileira, no entanto, só viria anos mais tarde, a partir de 1975, com o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool). Na ocasião, a dependência do Brasil em relação ao petróleo era absurda: o país importava cerca de 80% do combustível que consumia, em um cenário internacional em que a gasolina custava mais caro, em razão de duas “crises do petróleo”. Diante deste cenário, o presidente Ernesto Geisel apostou em uma política pública que tornou o Brasil referência mundial na produção e no uso de etanol de cana. Foi nessa época que as primeiras indústrias começaram a produzir o álcool como combustível no Paraná.
“Até então, nós tínhamos poucas indústrias no extremo Norte do Paraná, que produziam apenas o açúcar. Com o Pró-Álcool, foram estimuladas indústrias voltadas ao etanol. Várias se instalaram, principalmente no Noroeste do Estado, que tem um solo arenoso e clima mais adequado à cultura da cana”, conta o presidente da Associação de Produtores de Bioenergia do Estado do Paraná (Alcopar), Miguel Tranin.
Consolidação
A partir do Pró-Álcool, o governo federal estimulou que a indústria automobilística apostasse na produção em massa de veículos movidos à álcool – o primeiro foi o Fiat 147. Por um lado, a política de incentivo catapultou a produção de etanol de cana, cuja safra saltou de 580 mil metros cúbicos, em 1975, para 35,3 milhões de metros cúbicos, em 2019, consolidando o setor alcooleiro. Por outro lado, o álcool ajudou a reduzir a dependência do Brasil à gasolina. Estima-se que, por causa do etanol de cana, o país tenha deixado de gastar com a importação de petróleo mais de US$ 15 bilhões em 45 anos.
“Hoje, o país é exportador líquido de álcool. Foram US$ 20,6 bilhões exportados nos últimos 22 anos, conseguimos atender o mercado interno e ainda vendendo algum excedente, o que demonstra a força que o setor conquistou ao longo das últimas décadas”, ressalta Luiz Eliezer Ferreira, técnico do Departamento Técnico Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Assim como em âmbito nacional, no Paraná o setor também se consolidou ao longo das últimas décadas. Hoje, 19 indústrias do setor sucroenergético estão instaladas no Estado. Destas, três são voltadas exclusivamente à produção de etanol. As outras 16 podem produzir tanto açúcar como álcool. De 1980 para cá, a produção do combustível obtido a partir da cana saltou de 142 mil para 1,6 milhão de metros cúbicos: crescimento superior a dez vezes.
A era flex
Com o fim do Pró-Álcool em 1985, o setor deixou de contar com a política de incentivo do governo federal. Ainda assim, a produção de etanol continuou em expansão ao longo da década de 1990. A partir do início dos 2000, uma novidade tecnológica voltou a impulsionar o álcool como combustível: a popularização dos motores flex-fuel, que podem ser movidos à etanol ou à gasolina. Até o fim daquela década, mais da metade da frota brasileira seria flex. Com isso, a produção de álcool a partir da cana mais que dobrou, trazendo novamente à tona essa alternativa energética.
A partir de então, o etanol passou a ter peso significativo na autonomia brasileira quanto a combustíveis. Em razão da relação custo-benefício, passou a ser bastante competitivo frente à gasolina, principalmente em razão dos sucessivos aumentos do preço do petróleo no mercado internacional.
“A volatilidade no preço internacional do petróleo e a tecnologia flex deram grande impulso à produção de etanol no Brasil. O crescimento médio foi de 17,7% ao ano entre 2000 e 2009. O aumento da produção e do consumo interno de etanol ajudaram a mitigar os impactos da alta de combustíveis não renováveis no mercado externo, trazendo benefícios diretos aos consumidores ”, aponta Ferreira.
No Paraná
Hoje, a produção paranaense de etanol corresponde a 3,4% da safra nacional. Conforme os dados de comercialização da Agência Nacional do Petróleo, 80% do álcool destilado no Paraná têm como destino os tanques de veículos do próprio Estado. Uma parte significativa da produção, no entanto, é encaminhada para Estados vizinhos, principalmente São Paulo.
“Ainda assim, o Paraná não é autossuficiente no etanol. No ano passado, chegamos à produção de 1,6 milhão de metros cúbicos, mas o Estado consumiu em torno de 2 milhões de metros cúbicos. Esse mercado interno aquecido é bom para o setor”, diz Tranin, da Alcoopar. A exemplo do que ocorre no restante do país, a maior proporção do álcool combustível produzido no Paraná (cerca de 65%) é etanol hidratado – aquele usado diretamente no abastecimento de veículos à álcool. Os outros 35% correspondem ao etanol anidro, com menor teor de água e que é misturado à gasolina. Hoje, cada litro de gasolina tem 27% de anidro.
Perspectivas
Como em todos os campos da economia, os empresários do setor sucroenergético estão de olho no transcorrer da crise mundial causada pela pandemia do novo coronavírus. Os indicadores iniciais apontam um quadro de recessão global e de queda de consumo. As perspectivas do setor devem depender diretamente do tempo que vai levar para que a economia reaja em âmbitos nacional e mundial.
“A gente está num momento muito delicado de saúde das pessoas, mas também está no horizonte a saúde financeira das corporações. A retomada vai depender muito do comportamento da economia mundial”, avaliou Tranin. “O setor sucroenergético foi um dos mais afetados dentro do agronegócio durante esta pandemia. A recuperação da produção e do consumo vai depender diretamente da recuperação da atividade econômica, vários países já flexibilizaram ou suspenderam as restrições à circulação de mercadorias e pessoas, o preço do petróleo já está em recuperação, trazendo junto o preço do etanol”, acrescenta.
Nos primeiros meses da pandemia, o setor já sofreu em razão de acontecimentos externos. A queda no preço do barril de petróleo – provocada na disputa em Rússia e Arábia Saudita – gerou a queda do preço do etanol, colocando o setor em condições difíceis. “A gasolina compete diretamente com o etanol. Estávamos com um preço bom, de R$ 1,80 o litro [de etanol] na indústria. Mas com a queda do petróleo abaixo dos US$ 20 [o barril], o preço do etanol veio a R$ 1,40, menor que o nosso custo de produção. Foi uma queda violenta. Agora, esperamos a recuperação”, aponta Tranin.
Sistema FAEP/SENAR-PR promove campanha de incentivo
Desde junho, uma campanha promovida pelo Sistema FAEP/SENAR-PR incentiva o uso de etanol. A partir de dados e informações do setor no Paraná, como geração de emprego e preservação do meio ambiente, a entidade desenvolveu materiais para valorizar os benefícios de se usar esse combustível. No total, são cinco peças, em referência a continuidade do setor em meio a pandemia, riquezas geradas no Estado, em – pregos no campo e na cidade, redução da emissão de gases do efeito estufa e postos de trabalho do setor.
Em um dos materiais há a informação de que o Paraná dedica quase 600 mil hectares à cana-de-açúcar e que a produção movimenta a economia. Em outra, destaca-se o fato de que o etanol no Paraná gera 35 mil empregos, que fazem a renda circular em diversas cidades do Estado.
Combustível verde reduz poluição nas cidades
Paralelamente, a partir do avançar da década de 1990, acirraram-se as discussões em torno do aquecimento global e a necessidade urgente da redução drástica do uso de combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia. Neste sentido, além do aspecto econômico, o etanol também se mostrou uma al – ternativa bastante interessante. Segundo uma pesquisa da Embrapa, ao substituir a gasolina, o “combustível verde” reduz em pelo menos 73% as emissões de gás carbônico (CO 2), principal causador do efeito estufa.
Com o aumento da frota de carros flex, a estimativa é de que o etanol tenha provoca – do indiretamente uma redução de 40% na poluição do ar das grandes cidades, conforme estimativa que consta do livro “Carro a Álcool – O salto para o futuro”, de Mario Garnero. Outra vantagem diz respeito à baixa toxidez do etanol e ao fato de o produto ser biodegradável. Em caso de acidentes, como derramamentos ou vazamentos, por exemplo, o impacto ambiental é praticamente nulo, em comparação com outros combustíveis, como a gasolina e o diesel.
Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), o etanol reduz em 98% a dispersão de partículas e em 99% a emissão de benzeno (componente cancerígeno, presente na gasolina) e de hidrocarbonetos poliaromáticos (também cancerígeno, gera – dos na queima do diesel).
Fonte: Agrolink
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