Com 25% das usinas de cana-de-açúcar na UTI devido à pandemia do coronavírus e à queda na cotação internacional do petróleo, o setor sucroenergético busca financiamento de R$ 9 bilhões junto ao governo federal. A exportação de açúcar, por sua vez, deve bater recorde na safra 2020/2021
A safra 2020/2021 da cana-de-açúcar no Brasil teve início em abril com a previsão de atingir 630 milhões de toneladas, pouco menos do que o volume anterior, que foi de 640 milhões. Apesar da semelhança numérica, desta vez, porém, as expectativas são completamente diferentes da safra passada. O setor sucroenergético foi diretamente afetado pela queda acentuada na demanda de etanol com a pandemia do coronavírus. Um duro golpe para quem, desde fevereiro, já contabilizava perdas de quase 40% no preço do biocombustível em conseqüência da baixa de mais de 50% na cotação do petróleo no mercado internacional. O barril chegou a ser vendido por menos de US$ 30, por causa da disputa comercial entre Rússia e Arábia Saudita, dois dos maiores produtores mundiais, superados apenas pelos Estados Unidos. Para minimizar o prejuízo e evitar a falência de ao menos 25% das 376 usinas em atividade no País, o ramo passou a comercializar o litro do álcool ao preço médio de R$ 1,40, abaixo do custo de produção (R$ 1,74), e negocia junto ao governo federal linha de crédito de R$ 9 bilhões para criar condições de estocar parte do produto para comercialização ao longo da safra. Já o segmento do açúcar deve registrar recordes de produção e exportação.
O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo e ocupa o segundo lugar na geração global de etanol, com 35,58 bilhões de litros, atrás dos Estados Unidos. Desse total, 1,6 bilhão de litros é feito a partir do milho. Além disso, é líder em produção e em exportação de açúcar. Saíram das usinas nacionais, em 2019/2020, 29,6 milhões de toneladas do produto, das quais 18,9 milhões seguiram para o exterior.
A expectativa para o ciclo 2020/2021 é que seja estabelecido recorde de 40 milhões de toneladas produzidas (a marca anterior era 38,7 milhões de toneladas, em 2016/2017) e que as exportações atinjam 29,6 milhões de toneladas, contra 19,4 milhões de toneladas na safra anterior.
As divisas externas geradas com a exportação do açúcar e do etanol chegaram a US$ 6,1 bilhões no ano passado. O presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Evandro Gussi, afirma que estocar o etanol é a maneira mais eficiente de minimizar os danos. Estima-se que o País tenha uma capacidade para armazenar 15 bilhões de litros, com um terço desses espaços livres atualmente. Ele lembra que cerca de 100 das 376 unidades produtoras no Brasil são apenas destilarias e não têm estrutura para transformar a cana em açúcar e, assim, compensar a perda com o etanol. “Essas usinas têm caixa para se manter por pouco tempo e fazem um esforço heroico para dar prosseguimento às atividades, para preservar os empregos”, afirma. O setor produtivo gera 747 mil postos formais e, somados os indiretos, o total é de 2,3 milhões de pessoas na cadeia da cana-de-açúcar.
A Unica propõe que um financiamento seja desenhado por bancos oficiais para fluxo de caixa e que, em contrapartida, as usinas deem como garantia física o etanol em tanques lacrados, supervisionados por controladoras de primeira linha. “Solicitamos o prazo de até dois anos para pagar esse financiamento para podermos liberar o que foi estocado”, diz Gussi, que ainda aguarda uma resposta do governo federal. O setor pede, ainda, a isenção temporária dos impostos de Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre o etanol — de R$ 0,24, por litro —, o que já é consenso entre o Ministério de Minas e Energia e o Ministério da Agricultura.
Outra demanda é a elevação na Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina de R$ 0,10 para R$ 0,50 por litro, descartada publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sob a justificativa de que não seria justo aumentar impostos sobre a gasolina para ajudar o setor de etanol. O aumento da Cide sobre a gasolina seria uma medida para minimizar a perda de competitividade do etanol hidratado, que concorre com o derivado do petróleo nas bombas dos postos de combustíveis — por regra, o etanol é competitivo até o limite de 70% do preço da gasolina na bomba.
Dados fornecidos pela Unica mostram que as usinas produtoras do Centro-Sul (agrega os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, principalmente São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná), que representam cerca de 90% da produção nacional, comercializaram 1,78 bilhão de litros de etanol em abril, retração de 29% em relação ao mesmo período do ano passado, que somou 2,51 bilhões. Desse total, as vendas de etanol hidratado (combustível) no mercado nacional corresponderam a 1,10 bilhão de litros, redução de 38,3% na comparação com o mesmo mês de 2019 (1,78 bilhão de litros). Já as exportações do açúcar pelas usinas do Centro-Sul aumentaram 52,5% no último mês frente a igual período do ano anterior (1,42 milhão de toneladas versus 932,7 mil toneladas). Em contrapartida, a quantidade negociada com o mercado interno manteve-se estável em 606,19 mil toneladas.
CONSUMO MENOR
O economista Julio Maria Borges, sócio-diretor da Job Economia, consultoria especializada em cana, açúcar, etanol e energia de cogeração, diz que a produção de etanol na safra 2020/2021 será de 15% a 20% menor do que em 2019/2020. Ela cairá de 34 bilhões de litros para 26,8 bilhões. Segundo ele, a diminuição no consumo ao longo dos 12 meses deve ficar em torno de 16%, com o mercado interno consumindo 28 bilhões. Borges acredita que, apesar da queda acentuada nas vendas em abril, o que deve se repetir em maio e talvez em junho, a situação voltará ao normal à medida que a quarentena for relaxada.
“O consumo e a produção caem quase 20%. O setor vai vender o que for produzido.” Borges afirma que 25% das usinas processadoras de cana-de-açúcar são frágeis financeiramente. Além de não possuírem escala de produção, estão endividadas. Algumas não têm condições de fabricar açúcar. Diante da situação atual, muitas devem sair machucadas e com a sobrevivência comprometida. “A pandemia vai reduzir o número de participantes e aumentar a concentração da oferta”, diz. O desaparecimento de unidades deve ocorrer principalmente no Centro-Sul. Já o desemprego, segundo o economista, não será tão exponencial, uma vez que a região deixou de ser uma grande empregadora com a mecanização da lavoura e do corte de cana, diferentemente do que acontece no Nordeste. “As usinas que ficarem em atividade vão aproveitar uma parte da cana das que desapareceram e a mão de obra também”, destaca o executivo.
Com o relevante propósito de estabelecer metas anuais de descarbonização e incentivar a produção de biocombustíveis na matriz energética do Brasil, o programa Renovabio poderia salvar o setor nesta fase de crise, com a comercialização de créditos de carbono (CBIOs) pelas usinas. O Ministério de Minas e Energia, no entanto, pretende rever as metas diante do cenário provocado pela Covid-19. Assim, os resultados financeiros aos produtores devem aparecer apenas em 2021.
USINAS EM SILÊNCIO
O Grupo São Martinho, um dos principais do setor, possui três usinas produtoras de etanol e açúcar no ingterior paulista (São Martinho, em Pradópolis; Santa Cruz, em Américo Brasiliense; e Iracema, em Iracemápolis), além de uma unidade dedicada exclusivamente ao etanol (Boa Vista, em Quirinópolis, GO). A empresa possui 12 mil colaboradores e capacidade aproximada de moagem de 24 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. Diante do cenário de incertezas, o grupo prefere não revelar as perspectivas para a safra 2020/2021. Em nota divulgada aos acionistas no fim de março, a diretoria diz que as operações não tinham sido afetadas, mas que estava exposta aos riscos operacionais e de mercado relacionados à pandemia. O silêncio tem sido constante no setor. Procurados pela reportagem, os grupos Santa Isabel e Cosan, outras referências no ramo, preferiram não se manifestar.
A Usina Coruripe (com uma planta em Alagoas e quatro em Minas Gerais) celebra a colheita da maior safra de cana em seus 95 anos de história, com 14,6 milhões de toneladas em 2019/2020 (volume 12% superior aos 13,06 milhões de toneladas de 2018/2019). A receita bruta da companhia chegou a R$ 2,46 bilhões no período, após terem sido produzidos 502,8 milhões de litros de etanol, 20,63 milhões de sacas de 50 quilos de açúcar e 716.054 megawatt/hora de energia, o suficiente para abastecer mensalmente uma cidade de cerca de 600 mil habitantes. Com dois terços da produção da safra 2020/2021 voltada ao açúcar (23,87 milhões de sacas de 50 kg, já inclusos os 15,7% de aumento previsto na fabricação) e com 85% das vendas já fixadas em preços próximos de R$ 1,4 mil a tonelada, a Coruripe diz estar entre as empresas do setor menos expostas ao cenário adverso da Covid-19 e ao da queda abrupta do preço do etanol. A companhia prevê retração de 11,1% na produção do biocombustível na comparação com o último período. Em compensação, estima ampliação de 2,9% da moagem da cana-de-açúcar, alcançando 15,05 milhões de toneladas, e de 5,4% no faturamento, o que representa R$ 2,59 bilhões. A empresa tem 9,4 mil colaboradores.
Por Angelo Verotti
Fonte: Dinheiro Rural
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