Uma variedade de cana do complexo Saccharum, amplamente cultivada nas lavouras do País, quando exposta ao ataque da broca-da-cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis), produz ácido clorogênico, substância que atua contra o inseto agressor. Foi o que mostrou um estudo realizado em parceria entre a Embrapa e instituições de pesquisa brasileiras e internacionais publicado na revista Industrial Crops & Products, vinculada à ScienceDirect. A broca-da-cana é considerada a principal praga da cultura no Brasil.
Análises metabólicas evidenciaram que a variedade de cana-de-açúcar SP791011, desenvolvida pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e atualmente de domínio público, produziu por conta própria o ácido clorogênico quando atacada pela broca-da-cana. No mesmo ambiente, as plantas da mesma variedade do grupo de controle que não foram submetidas ao ataque da herbívora não apresentaram expressões elevadas do ácido.
Essa substância tem efeito nocivo a pragas de diversas culturas, como milho, café e tomate, afetando seu desenvolvimento e neutralizando seus impactos econômicos nas lavouras. No estudo conduzido com a cana, que envolveu também experimentos com adição de ácido clorogênico na dieta da broca em sua fase de lagarta, a Diatraea saccharalis apresentou desenvolvimento mais rápido na fase de pupa, porém, associado à deformação das asas na fase de mariposa quando exposta a todas as concentrações do ácido.
Os pesquisadores destacam que o ácido clorogênico pode ser considerado um biopesticida natural, e sua produção pode ser induzida para desenvolver variedades de cana-de-açúcar mais resistentes à broca-da-cana.
A PRINCIPAL PRAGA DA CANA BRASILEIRA
A Diatraea saccharalis, a broca-da-cana-de-açúcar, é uma espécie de mariposa da família Crambidae. Foi descrita por Johan Christian Fabricius em 1794. É nativa do Caribe, da América Central e das partes mais quentes da América do Sul, do sul ao norte da Argentina.
A lagarta jovem se alimenta inicialmente das folhas para depois penetrar pelas partes mais moles do colmo (bainha). Ela abre galerias de baixo para cima, que podem ser longitudinais, na maioria das vezes, ou transversais.
A lagarta atinge seu completo desenvolvimento ao completar 40 dias, quando mede 23 milímetros de comprimento. A coloração de seu corpo é amarela-pálida e da cabeça, marrom. A fase de pupa (casulo), que segue a larval, dura de nove a 14 dias e resulta em um adulto que sai pelo orifício deixado pela lagarta. O ciclo inteiro dura de 53 a 60 dias e pode resultar em quatro gerações por ano, distribuídas em outubro e novembro, dezembro e janeiro, fevereiro e abril e em maio e junho. Já a forma adulta é uma mariposa com asas amarelo-palha e com 25 milímetros de envergadura. A fêmea deposita ovos na face inferior das folhas da planta.
PREJUÍZOS
Entre os prejuízos diretos causados pela abertura de galerias estão a perda de peso e morte das gemas, o tombamento pelo vento (se as galerias forem transversais, secamento dos ponteiros, conhecido como "coração morto"), enraizamento aéreo e brotações laterais.
As galerias abertas podem servir de canal de acesso aos fungos Colletotrichum falcatum e Fusarium moniliforme, causadores da podridão vermelha do colmo. Instalados na planta, eles invertem a sacarose, o que diminui a pureza do caldo. Esses são considerados prejuízos indiretos provocados pelo ataque da praga.
CONSERVAÇÃO E MELHORAMENTO
A promissora descoberta deverá servir de base para orientar os programas de melhoramento genético da espécie desenvolvidos pela Embrapa e parceiros. Um dos principais objetivos dos cruzamentos é gerar novas variedades com resistência a pragas importantes.
A variedade objeto do estudo publicado, a SP791011, está entre os 128 acessos do complexo Saccharum mantidos no Banco Ativo de Germoplasma (BAG) da Embrapa Tabuleiros Costeiros no campo experimental de Nossa Senhora das Dores, no interior de Sergipe.
De acordo com a pesquisadora Adriane Amaral, curadora do banco, a descoberta é bastante animadora. “A partir desses achados, devemos realizar experimentos com outras variedades do banco, tanto as domesticadas quanto as silvestres, para verificar o comportamento de produção de ácido clorogênico e, possivelmente, ampliar o leque de cruzamentos viáveis”, informa.
Por meio dos cruzamentos, as novas variedades geradas expressam as características presentes nas matrizes cruzadas, como a resistência a pragas específicas, tolerância a seca e altas temperaturas, entre outras.
A ARCA-DE-NOÉ DA CANA
Além da conservação ex situ (plantado em campo), o BAG Cana tem acessos mantidos in vitro (em ambiente de laboratório) por crescimento lento, como forma de manter uma reserva de segurança e material para doações livres de pragas. A conservação é realizada no laboratório de cultura de tecidos da Embrapa Tabuleiros Costeiros, em Aracaju (SE), com uma duplicata mantida na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília (DF).
Atualmente, os 128 acessos do BAG incluem os gêneros Saccharum (espécies: S. officinarum, S. spontaneum e S. robustum), Erianthus e Miscanthus. Os acessos foram provenientes de coleta no Brasil e importações e intercâmbios com instituições internacionais. As ações de enriquecimento do BAG Cana incluem acessos da Indonésia, Estados Unidos, México, Brasil, Suriname, Fiji, Taiwan, Guiana, Papua Nova Guiné, Taiwan, África do Sul, Barbados, Índia e Paquistão.
Com suporte financeiro da Embrapa e de fontes externas, como a Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (Fapitec), o BAG tem contribuído com a formação de recursos humanos para a pesquisa em graduação e pós-graduação, além de atender a solicitações de intercâmbio para os programas de melhoramento de cana-de-açúcar públicos e privados, a exemplo da Ridesa/UFAL e da BioVertis/GranBio.
Amostras do BAG do campo também estão em exibição na vitrine de tecnologias implantada no segundo semestre de 2019 na sede da Embrapa Tabuleiros Costeiros, em Aracaju, disponível para visitação em 2020.
Assinaram o artigo da Industrial Crops & Products cientistas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Centro Universitário Tiradentes (Unit) e Faculdades Integradas do Norte de Minas (Funorte), além do Imperial College e Queen Mary University de Londres, no Reino Unido. O trabalho foi coordenado pelo pesquisador Alessandro Riffel, da Unidade de Execução de Pesquisa da Embrapa Tabuleiros Costeiros em Rio Largo, (AL), falecido em novembro de 2019.
Por Saulo Coelho
Fonte: Embrapa
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