As queimadas anteriormente usadas na colheita da cana-de-açúcar para eliminar as folhas secas alteraram durante anos a qualidade do ar na região central do Estado de São Paulo. As partículas lançadas na atmosfera eram visíveis aos moradores da região e se depositavam nas ruas e nos carros.
A poluição atmosférica também causava problemas respiratórios na população, impactava a biodiversidade e a vegetação nativa e contaminava os rios.
O avanço tecnológico e a pressão da sociedade puseram fim à prática. A proibição foi oficializada por meio de uma lei estadual em 2002. Pouco a pouco, a queima da cana foi sendo substituída por técnicas mais modernas, como o uso de colheitadeiras mecânicas.
“Em 2018, a colheita mecanizada foi usada em 90% da produção. Esperava-se, com o fim das queimadas, uma melhoria na qualidade do ar. No entanto, dados oficiais indicam que as concentrações de partículas de aerossol e de ozônio permanecem nos mesmos níveis de antes”, disse Arnaldo Alves Cardoso, pesquisador do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, em palestra apresentada na FAPESP Week France.
Cardoso se refere a dados divulgados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), agência responsável pelo controle, fiscalização, monitoramento e licenciamento de atividades geradoras de poluição. Na avaliação do pesquisador, os índices medidos atualmente sugerem que, a despeito do avanço nas técnicas agrícolas, novas fontes de emissão de gás de efeito estufa e de material particulado entraram em cena – tema que o grupo da Unesp pretende investigar.
Novas práticas
Cardoso tem analisado as consequências da poluição atmosférica na região canavieira de São Paulo desde o fim dos anos 1990. Em estudos realizados na década de 1990 e nos anos 2000, sua equipe colheu amostras do ar na cidade de Araraquara, no interior paulista, e dimensionou as mudanças na composição da atmosfera entre a safra e a entressafra.
“Nesse período em que a mecanização não era tão intensa, vimos, por exemplo, que entre o material particulado havia macronutrientes da cana-de-açúcar. Quando esse material cai em uma lavoura de cana, ótimo. Porém, quando cai em uma floresta natural, pode modificar o solo e a água e causar perda de biodiversidade”, disse.
Na virada do século o panorama começou a mudar. Além da lei estadual promulgada em 2002, um acordo firmado entre a indústria sucroalcooleira e o governo do Estado de São Paulo estabeleceu a eliminação das queimadas até 2017. De acordo com o pesquisador, na safra 2016/17, a produção colhida manualmente foi de 43,6 milhões de toneladas, ou 10% do total.
Cardoso ressaltou que a mecanização nas lavouras possibilitou outra mudança importante: o uso da palha e de outras partes de menor valor energético da cana, que antes eram queimadas, na produção de energia elétrica e de etanol de segunda geração (2G). A prática é apontada como uma forma de aumentar a geração de bioenergia sem ampliar a área plantada.
“Esses fatos sugerem que, possivelmente, as fontes de emissão tenham mudado em qualidade, mas não em quantidade. Aparentemente, apenas mudamos de atividade, mas a poluição permanece a mesma. Mas ainda há muitas perguntas a serem respondidas por futuros estudos”, disse Cardoso.
O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar. A principal região produtora está localizada no Estado de São Paulo, que abrange 55% da área plantada do país. Na safra 2017/2018, foram produzidos 13 bilhões de litros de etanol, o que correspondeu a 47% da produção brasileira.
Fonte: Agência FAPESP
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