Bagaço, palha e vinhaça podem gerar combustível e otimizar safra em 50%. Em busca de inovações, pioneiras miram 2 bilhões de litros/ano em 10 anos.
Obtido com o bagaço e com a palha remanescente da cana na produção sucroalcooleira tradicional, o etanol de segunda geração é uma realidade que dá seus primeiros passos no Brasil. Diante de um rendimento anual de 28 bilhões de litros do combustível de primeira geração nas usinas, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), o potencial de produzir 127 milhões de litros ao ano nas duas unidades em funcionamento desde 2014 em Alagoas e São Paulo, e uma planta experimental prevista para ser inaugurada no interior paulista ainda este ano, ainda parece desproporcional.
Mas, para especialistas do setor, projetos da iniciativa privada e de centros de pesquisa proporcionam a expectativa de que, em dez anos, o combustível também chamado de celulósico ingresse com força no mercado. Tempo necessário para que a técnica seja difundida para outras regiões importantes para o setor sucroalcooleiro, como a de Ribeirão Preto, que tem previsão de colher, este ano, 10,78 milhões de toneladas de cana.
Ao menos se depender das duas pioneiras no E2G, a Granbio e a Raízen, que juntas investiram R$ 790 milhões para construir suas novas usinas, a produção de etanol deve chegar à casa dos dois bilhões de litros/ano na próxima década.
É palavra de ordem nesse contexto o aprimoramento de técnicas tanto para baratear a extração a partir do bagaço e da palha - como um projeto da USP com enzimas capazes de quebrar os açúcares a serem fermentados - quanto para a criação de fontes alternativas de biomassa, como microalgas cultivadas a partir da vinhaça, projeto da Embrapa Agroenergia à mostra na Agrishow 2015, em Ribeirão Preto.
Na esteira dessas inovações e do que indústrias têm colocado em prática, arestas entre sustentabilidade e viabilidade financeira precisam ser aparadas. Por um lado, o etanol celulósico é capaz de elevar em até 50% o saldo produtivo do combustível na mesma safra com a mesma quantidade plantada no campo e ainda por cima dar nova destinação aos resíduos da produção tradicional.
Por outro, as especificidades de seu processo de elaboração - como a tecnologia adequada ao pré-tratamento do bagaço e para a hidrólise, em que se quebram, da celulose, os açúcares que mais tarde serão fermentados - geram custos ainda elevados. As enzimas necessárias para essa tarefa, a despeito de pesquisas conduzidas em território nacional, ainda são importadas de uma empresa dinamarquesa.
O etanol celulósico
O processo de segunda geração difere do tradicional, começando pela matéria-prima. Em vez da sacarose encontrada no caldo da cana, é o bagaço ou a palha que serve de base. Estes - também usados para cogeração de energia nas caldeiras - passam por um pré-tratamento térmico, em equipamentos específicos que funcionam como se fossem grandes "panelas de pressão". Só assim, a celulose presente em suas paredes fica mais exposta e pronta para a fase seguinte, a hidrólise. Na sequência, seus açúcares - sobretudo a glicose - são quebrados pelas proteínas e finalmente têm condições ideais de serem consumidos por leveduras que os transformam em álcool, no processo de fermentação.
A ideia não é recente nem genuinamente brasileira. Tem-se notícia das primeiras tentativas no século 19, quando alemães chegaram a produzir o combustível com madeira. No período da Primeira Guerra Mundial, no início do século 20, a ideia foi aplicada em duas plantas industriais nos Estados Unidos em resposta à escassez de combustíveis provocada pelo conflito bélico.
A iniciativa, no entanto, não prosperou por ser economicamente inviável, mas hoje é alvo de projetos conduzidos em países como Itália, Canadá, EUA e China, através do uso, por exemplo, da palha do milho.
No Brasil, no ano passado duas unidades industriais começaram a produzir o etanol celulósico: em Alagoas, a Granbio, com um potencial de produzir 82 milhões de litros por ano e já com seu combustível disponível para venda em postos, e a Raízen, em Piracicaba(SP), com geração de 42 milhões e expectativa de introduzir seu produto em definitivo nos próximos meses, com possibilidade de exportação.
Ainda em 2015, de acordo com o consultor de emissões e tecnologias da Unica, Alfred Fzwarc, outra usina de segunda geração deve ficar pronta em São Manuel (SP), a 261 quilômetros de São Paulo. O complexo não terá o mesmo intuito comercial dos outros, diz o especialista. Mas, com uma operação limitada a 3 milhões de litros por ano, deve se concentrar em inovações. Segundo ele, uma tonelada de cana seca é capaz de produzir 300 litros de etanol.
"O produto é exatamente igual ao tradicional. A qualidade é a mesma, o consumidor não tem que se preocupar com isso. A diferença é que uma empresa que por exemplo produz 100 milhões de litros por ano com etanol de primeira geração, com uma tecnologia que possa ser usada em nível comercial consegue fazer 130 milhões de litros aproveitando a mesma safra.
O setor sucroenergético vive um momento difícil. Em relação a novos investimentos, isso é uma questão muito sensível. O governo também está com capacidade muito limitada em investir em projetos dessa natureza. O ideal seria como é nos Estados Unidos, onde novas tecnologias recebem subsídios e incentivos fiscais do governo federal", diz.
Raízen mira 1 bilhão de litros/ano
Resultado de um investimento de R$ 237 milhões, a usina da Raízen, construída ao lado de sua unidade convencional em Piracicaba, tem capacidade de gerar 42 milhões de litros por ano de etanol 2G. Além desta, a empresa planeja construir mais sete até 2024, quando quer atingir a marca anual de 1 bilhão de litros.
Entretanto, segundo o diretor de novas tecnologias e projetos Antonio Alberto Stuchi, a quantidade de usinas pode variar de acordo com as inovações que virão e que poderão, inclusive, potencializar o volume gerado por unidade.
Muitas interrogações ainda precisam ser respondidas até que isso se torne realidade. Uma delas é em relação à logística da biomassa - o bagaço e a folha da cana - , hoje considerada significativa pela Raízen. Outra está diretamente ligada ao processamento químico da celulose.
Se, por um lado, as enzimas que quebram a celulose são importadas de uma empresa dinamarquesa, por outro, a empresa tenta solucionar um impasse em torno da fermentação da xilose - açúcar também derivado do bagaço que, com uma composição diferente da glicose, não é processado pelas leveduras.
Juntos, transporte e enzimas - importadas da Dinamarca - hoje correspondem a 70% dos custos de geração alcooleira. "Eu não preciso de dinheiro extra para produzir palha. Só vou agregar a isso o custo de transporte. É uma ideia possível de ser feita. Estamos esperando a aprovação da tecnologia e ainda estamos com algumas dúvidas técnicas para resolver, como a fermentação da xilose. Como é um açúcar de cinco carbonos, a levedura natural não consegue processar. Temos que fazer uma levedura geneticamente modificada. Estamos na fase de testes", afirma.
Os reatores, apesar de parcialmente vinculados ao que vem do exterior, podem se tornar, nos próximos anos, desenvolvidos integralmente em território nacional, avalia Stuchi.
"Temos ainda muitos problemas tecnológicos. Na parte de pré-tratamento ainda não temos nenhum fornecedor capaz de fazer, mas há empresas que fabricam isso na Europa e que têm instalações aqui no Brasil. A parte da hidrólise foi desenvolvida aqui no Brasil. Acredito que o nível de nacionalização, que hoje é de 70%, já que importamos 30% dos equipamentos, possa chegar perto de 100%."
Em AL, Granbio já vende etanol 2G
Em funcionamento desde setembro de 2014 ao custo de US$ 190 milhões (em torno de R$ 551,6 milhões), a Bioflex 1, da Granbio, tem potencial de produzir 82 milhões de litros de E2G. Assim como no interior de São Paulo, em Alagoas as principais inovações que possibilitam esse sistema são importadas - as enzimas são também compradas da Dinamarca e a tecnologia do pré-tratamento é italiana.
Em uma década, a empresa também quer gerar 1 bilhão de litros, saldo que depende de muitas melhorias. Hoje ela já comercializa parte de sua produção de etanol anidro, que vai na mistura da gasolina, para distribuidoras.
"O avanço da tecnologia e know-how tendem a melhorar a produtividade dos investimentos nos próximos projetos. A empresa está sempre em busca dos melhores parceiros e tecnologias que considera competitivas", informa.
Inovações científicas
Ao mesmo tempo em que a ideia mobiliza empresas, a possibilidade de elevar o saldo de etanol na mesma safra tem inspirado cientistas. Entre 2009 e 2013, a bióloga Paula Fagundes Gôuvea, de 31 anos, em sua tese de doutorado pela USP em Ribeirão Preto, desenvolveu, a partir de um fungo, uma enzima capaz de separar da lignina - ligação celular que confere consistência ao bagaço - a celulose e a hemi-celulose, que mais tarde podem ser quebradas nos açúcares que serão transformados em combustível por ação das leveduras.
Ela descobriu que o fungo Aspergillus niger - comumente encontrado em alimentos em degeneração - liberou determinadas enzimas para se desenvolver quando colocado com o bagaço. A expectativa é de que, com essa descoberta, as indústrias sejam capazes de produzir suas próprias proteínas e economizem em torno de 20% a 30% de custos da produção de etanol de segunda geração. A inovação foi vencedora no Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade. "É uma pesquisa básica para no futuro descobrir quais enzimas usar em um coquetel. Hoje elas são importadas e seu custo é muito alto", diz.
O próximo passo de Paula, em seu pós-doutorado, é trabalhar com outro fungo - o Aspergillus fumigaceos, associado à infecção hospitalar - para ampliar o poder de liberação das enzimas. "Sabendo-se quais são utilizadas pode-se tentar modificar geneticamente esses fungos para que expressem em maior quantidade essas enzimas."
Microalgas: biomassa e enzimas
Na Embrapa Agroenergia, em Brasília (DF), o centro das atenções não é o bagaço da cana, mas sim a vinhaça, líquido que sobra da produção convencional de álcool nas usinas. A estimativa é de que, atualmente, para cada litro de combustível gerado, outros dez ou 15 são resultantes desse passivo ambiental, parcialmente reaproveitado como adubo nas lavouras.
Atentos ao excedente que não pode ser liberado de qualquer maneira na natureza, bem como aos riscos de seu uso excessivo - como acidez e empobrecimento do solo - os pesquisadores tentam, desde 2012, dar a ele nova funcionalidade. A ideia pode ser conferida no estande da empresa na 22ª Agrishow, um dos maiores eventos de agronegócio do país que acontece até 1º de maio em Ribeirão Preto.
Nesse caso, a vinhaça é a base de nutrientes para a criação de microalgas, que se desenvolvem em biorreatores abertos à entrada de luz e enriquecidos pelo gás carbônico liberado das usinas. Assim como o bagaço, a biomassa proveniente poderia servir para a produção de etanol, mas com uma vantagem: com menos lignina, dispensaria o pré-tratamento inicial.
Segundo o pesquisador Bruno Brasil, hoje já existem exemplos de utilização das microalgas para a fabricação de cosméticos, em que o custo é compensado pelo alto valor agregado dos produtos que vão ao mercado. O desafio é tornar a criação dessa biomassa viável para a geração de etanol, tarefa que, de acordo com especialista, passa por três gargalos: melhoramento genético, meio de produção e meio de conversão.
"O foco da unidade é em novas fontes cada vez mais sustentáveis e também na integração de processos dentro da usina para que se consiga reduzir os poluentes e aumentar as possibilidades de produtos gerados. Assim se chega ao conceito de biorrefinaria, algo análogo a uma refinaria de petróleo, mas com uma fonte renovável", afirma.
Paralelamente, desde 2014 a Embrapa Agroenergia busca entender a ação das microalgas também como geradoras de enzimas. Brasil destaca que estas podem ser mais eficazes do que fungos e bactérias e de serem cultivadas de maneira mais viável.
"Geralmente é por fungos [a produção de enzimas]. As algas naturalmente produzem muito pouco dessas enzimas, mas se a gente as modifica geneticamente elas são capazes de gerar essas enzimas em grande quantidade."
Os projetos, de acordo com o pesquisador, devem incrementar a produção de etanol 2G em dez anos, além de abrir portas para outros negócios dentro das usinas. "Esses primeiros projetos se encerram no segundo semestre de 2016, porém são iniciativas recentes. (...) A iniciativa privada tem interesse em diversificar produtos para atingir mercados diferentes e tem interesse em matéria-prima para períodos de entressafra", diz.
Fonte: Portal G1
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