As medidas do Operador Nacional do Sistema (ONS) para preservar os reservatórios e a decisão do Conselho de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) de manter todo parque térmico ativo estão funcionando, mas não devem ser suficientes para manter a operação segura por muito tempo. Especialistas ouvidos pelo Valor alertam para o risco de racionamento e déficit de energia já no início de 2015. Para reverter a situação, sugerem que o governo adote postura preventiva, e peça à população que economize energia.
"Já deveríamos estar adotando alguma medida de economia de energia. O maior risco é 2015", afirmou o presidente da Bolt Comercializadora, Érico Evaristo.
Segundo o ONS, os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste (SE/CO) encerraram junho com 36,6% da capacidade máxima de armazenamento. A região detém mais de 60% da capacidade de armazenamento do país. A expectativa é que o nível caia a 34% no fim de julho, e para 20% no fim do ano. O volume é metade do observado no ano passado, quando os reservatórios do SE/CO terminaram o período seco (outubro) em 42%.
"É muito preocupante. Se as chuvas do período úmido [que começa em novembro] atrasarem, já é suficiente para entrarmos em 2015 precisando de racionamento", disse o consultor da Excelência Energética, Erik Rego.
Mas o quadro não tira o sono do governo. Em evento comemorativo da produção de mais de 500 mil barris por dia no pré-sal, na última terça-feira, na Petrobras, o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, garantiu: "não tivemos racionamento, e não chegaremos a ele".
Para o professor da PUC-Rio, Alexandre Street, mesmo que o nível dos reservatórios esteja "estável", a situação não é confortável. "Chegamos ao início do período seco [em maio] com 38% dos reservatórios. Só no racionamento de 2001 vimos situação pior". E defendeu racionamento curto já, com corte de 6% a 8%. "Se chover, interrompe-se o racionamento".
Outros especialistas consideram racionamento preventivo precipitado. "O ONS está agindo corretamente, tentando gerar o possível com as térmicas e preservando reservatórios. Mas o governo poderia ter criado um clima com a população para evitar o desperdício", analisou o diretor-geral da Cesi no Brasil, Paulo Esmeraldo.
O consultor da PSR, Luiz Barroso, lembrou que algumas situações conjunturais parecem ajudar o discurso do governo - e cita a demanda abaixo da projetada, em função da baixa atividade econômica, e a redução voluntária da carga de consumidores em função do alto preço no mercado de curto prazo. Mas afirmou que ainda restam preocupações.
"A dificuldade de suprimento nos últimos anos foi causada porque a capacidade estrutural está menor do que o consumo. É a razão dos reservatórios terem esvaziado muito em anos onde a hidrologia não foi adversa, como 2012 e 2013", explicou Barroso. O problema, para ele, pode ser corrigido com contratação de reforço na capacidade de geração, adicional ao planejado, de 2 mil MW médios.
Rego destacou que até agora a questão tem passado despercebida. As térmicas em operação foram previstas para gerar por até dois meses ao ano. Não são preparadas para funcionar tanto tempo sem manutenção. Há usinas em operação contínua desde setembro de 2012. "Algumas térmicas têm chance de começar a sair do ar por falta de manutenção. Alguns geradores querem parar por um mês, mas a multa é muito alta", disse.
Ele e o professor da PUC-Rio apontam falhas no modelo de cálculo que determina o risco de déficit de energia. Para eles, o sistema é muito focado no curto prazo. "O modelo não consegue capturar a situação no grau de realismo necessário para representar o valor que a água tem hoje, para economizá-la para o futuro. Isto tem sido negligenciado e tem tornado a operação bastante frágil", disse Alexandre Street.
Rego acrescenta que, pelo modelo, 12 GW térmicos deveriam estar operando, sendo que o governo está despachando 16 GW. Isto reforça a tese de que não há margens na operação do setor, e endossa coro de especialistas que afirmam que o governo está contanto com a sorte ao descartar risco de racionamento.
Fonte: Valor
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