Ainda que previsto no novo Código Florestal que vige há mais de um ano e meio, o sistema nacional Cadastro Ambiental Rural (CAR) não foi implantado na maioria dos Estados, o que vem gerando muita discussão e controvérsias acerca do tema envolvendo juízes, promotores públicos, Ministério do Meio Ambiente e, sobretudo, os proprietários rurais.
Criado pela Lei nº 12.651, de 2012 (Novo Código Florestal), o CAR é um registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem por finalidade integrar as informações ambientais das propriedades. O CAR integra o Sistema Nacional de Informação sobre o Meio Ambiente (Sinima), responsável pela gestão da informação ambiental. Por meio do CAR, os proprietários registram seus imóveis rurais perante o órgão ambiental competente, permitindo o controle e fiscalização das normas ambientais.
A lei não impôs claramente prazo para que o CAR fosse implantado. Contudo, determinou à União, aos Estados e ao Distrito Federal que, no prazo de um ano prorrogável somente uma vez, a contar da publicação da lei (25/05/2012), implantassem Programas de Regularização Ambiental (PRAs). Entretanto, para que seja possível a adesão ao PRA, é condição sine qua non o imóvel ter cadastro no CAR. Assim, subentende-se que o prazo foi indiretamente estabelecido, mas até agora não há implantação plena do CAR, nem prorrogação do prazo ou previsão para tanto.
Somente tem-se por certa a insegurança gerada pela morosidade do Poder Executivo em implantar o CAR
Em Minas Gerais, o Juiz diretor do foro da comarca de Arcos formulou consulta junto à Corregedoria do Tribunal de Justiça, acerca da necessidade de edição de portaria que regulamentasse a averbação da reserva legal nos Ofícios de Registro de Imóveis.
Diante da existência de diversos questionamentos análogos, decorrentes das alterações no novo Código Florestal, outros processos foram apensados ao caso, a fim de evitar decisões conflitantes.
O TJ mineiro editou, então, a Orientação nº 59.512/2012, entendendo ser desnecessária e indevida qualquer nova regulamentação acerca do assunto, eis que já disciplinado na legislação implantada com a edição do Código, a qual desobrigou a averbação. Na orientação fundamentaram ainda que as inscrições no CAR apenas serão obrigatórias um ano após a implantação do mesmo, dependendo, pois, de regulamentação do Poder Executivo. O novo Código Florestal, expressamente, desobriga a averbação no cartório de registro de imóveis, e estabelece que entre a publicação da lei e a efetiva implantação do CAR, a averbação é "facultada" ao proprietário ou possuidor que terá, ainda, direito à gratuidade do ato.
Em contrapartida, o Ministério Público de Minas Gerais propôs procedimento de controle administrativo perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde requereu o reconhecimento da obrigação legal de averbar no registro de imóveis as áreas de reserva legal. O CNJ se posicionou a favor do MP, decidindo não ter havido a revogação da obrigação no novo diploma legal. Ao contrário do entendimento firmado pela Corregedoria de MG, aduziu que a faculdade de averbar depende da efetivação do registro no CAR. Portanto, a obrigação subsiste, até que seja implantado o CAR. Assim, a medida foi deferida ao MP, determinando-se a propagação da referida decisão para os TJs de todo o país.
A questão tem outro fator relevante. Na Lei de Registros Públicos não há mais previsão legal para que os oficiais registradores promovam a averbação. Agora, inclusive, há dúvida sobre a competência do CNJ para revisão de decisões judiciais. Na Constituição, a atuação do conselho está restrita ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário.
Em Santa Catarina, a Fundação do Meio Ambiente (Fatma) acatou o posicionamento firmado pelo CNJ, e exige a averbação prévia da reserva legal para o licenciamento de atividades em terras rurais. Para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) a exigência do registro está em desacordo com a legislação federal, considerando que a superveniência de lei federal suspende a eficácia de lei estadual.
Nesse ínterim, o MMA lançou o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural em Santa Catarina, no dia 17 de dezembro de 2013.
Contudo, os proprietários e possuidores ainda não poderão utilizar-se do sistema. Ocorre que a opção de envio da documentação ainda não foi habilitada em todo o país.
A conclusão é que somente tem-se por certa a insegurança gerada pela morosidade do Poder Executivo em implantar o CAR. Ademais, não há razão para o entendimento do CNJ de que o Poder Público, sem o CAR, não poderia fiscalizar as áreas protegidas, ou que até a implantação do CAR não há faculdade aos administrados para que deixem de averbar suas reservas.
Os órgãos têm o poder-dever de fiscalizar e podem fazê-lo mesmo sem o CAR. Existem meios para isso. O que não pode é o administrado ser prejudicado pela lentidão do Poder Executivo, além do entendimento do Poder Judiciário que nada contribui para a interpretação da lei conforme seu fim social!
Fato é que a averbação da reserva legal onera o proprietário rural, que está disposto a preservar a respectiva fração, mas não está mais obrigado a envidar recursos e esforços para tanto, até porque os órgãos ambientais tardam em aprovar projetos de localização das áreas para que possam ser averbadas. Enquanto isso, todas as operações e atividades dos empreendedores rurais ficam atrasadas, como a implantação do CAR.
Camila Gessner, Anissa Vieira e Mariane Schappo são advogadas da área de Direito Ambiental, Urbanístico e Imobiliário do Martinelli Advocacia Empresarial
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
16 3626-0029 / 98185-4639 / contato@assovale.com.br
Criação de sites GS3