Uma nuvem preta, dessa que demonstra extrema preocupação, pairou sobre as cabeças de produtores de soja cujas lavouras estão localizadas na região fronteiriça entre Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: o avanço das lavouras de cana-de-açúcar. Como já ocorreu em outras regiões (em São Paulo a cana `expulsou´ o gado no oeste e os laranjais no centro), o avanço dos canaviais alavancou os preços dos arrendamentos de terra, tornando a concorrência com outras culturas, mesmo a soja, commodity altamente valorizada no mercado internacional, acirrada.
Na região de Alto Taquari, sudeste de Mato Grosso, o arrendamento para um hectare de cana-de-açúcar gira em torno de R$ 1500,00 por ano (ou 25 sacas de soja, a moeda tradicional de regiões produtoras de grãos), enquanto o arrendamento de um hectare para a própria soja atinge, no máximo, 15 sacas ou R$ 765,00 por ano, segundo produtores. "Nós [produtores de grãos] sentimos que estamos sendo espremidos pela cana", desabafou o produtor Jurandir Vilela Pereira, de Alto Taquari (MT). "Se continuar assim vamos ter que sair".
Segundo o agricultor, todos os anos a cultura de cana-de-açúcar `toma´ áreas de grãos. "A partir daí, por sete, catorze anos, não tem como estas áreas voltarem para o cultivo de grãos porque os contratos que os proprietários de terra fazem com as usinas são longos. E o que estamos vendo é que cada vez mais os donos da terra se rendem às usinas, elas pagam mais. Para o dono da terra é um bom negócio porque ele vai ganhar mais, mas para quem é sojicultor, não é nada bom porque você não tem como pagar o mesmo que a usina paga", diz ele, que confessa não ter idéia de como enfrentar a situação. "Só se eu pegar toda a minha família e mudar para outra região, sem usinas".
O produtor de soja Tiago Hinnah, proprietário da Fazenda ABC, localizada em Chapadão do Céu (GO), diminuiu a sua área de plantio nesta safra pelo mesmo motivo. "Não consegui arrendar a mesma área porque, sozinho, não consigo pagar o preço que a usina paga para o dono da terra", explica. De acordo com ele, as áreas que ele perdeu para a cana foram arrendadas por 23 sacas de soja por hectare por ano. "Trabalhamos com 10 sacas a menos nesta conta".
Experiência positiva no oeste
O que os agricultores estão vivenciando hoje nesta região, é comum, segundo o pecuarista Alfredo Ferreira Neves, de Araçatuba (SP), que já viveu situação parecida no passado, quando a cultura canavieira alcançou a região Oeste paulista e tomou conta dos pastos. "Nós nos adaptamos ao que era mais rentável, e a pecuária não nos rendia o que a cana poderia render. Foi uma questão de adaptar e diversificar as atividades: arrendamos nossas terras para as usinas sim, mas ninguém deixou de ser pecuarista por causa disto. Nós levamos o grosso do gado para outra região e a pecuária até rendeu mais", diz ele.
Para Neves, a reclamação é legítima, mas soa mais como um susto e não como um problema de longo prazo ou ameaça para a soja. "É natural que o produtor se sinta incomodado, mas com o tempo, haverá o equilíbrio", diz ele.
Quase dez anos após a cana-de-açúcar chegar ao oeste, os preços de arrendamentos na região, de acordo com o Instituto de Economia Agrícola (IEA) de São Paulo, são: R$ 1200,00 por hectare por ano para a cana e R$ 15,00 por cabeça por mês para o gado. "Tem que colocar na ponta do lápis o que rende mais e diversificar. Isso não quer dizer que você tem que deixar de investir no que gosta, mas abrir o leque das atividades para rentabilizar o negócio", diz Neves. "Nunca no Brasil haverá monocultura".
Na região central de São Paulo, tradicional pólo de produção de citros, os produtores trocaram laranja por cana. "A laranja está no vermelho, a cana dá lucro", diz o citricultor Walter Valério Neto. Ao contrário da soja, uma boa produção de laranja é sinônimo de prejuízo, já que as indústrias não estão comprando matéria-prima. "Neste caso, a cana passou a ser a única alternativa rentável para o produtor rural desta região", explica Marco Antonio dos Santos, presidente da Câmara Setorial da Laranja. "Não é o caso da soja, que tem lá fora um mercado em expansão, muito valorizado, e vem crescendo em ritmo acelerado".
Crescimento geral
"Susto inicial", como diz Neves, ou um problema real para os produtores de grãos, o fato é que os canaviais, sobretudo na região centro-oeste, são os que mais crescem no país. Os três Estados são considerados as novas fronteiras agrícolas da cana e concentram os investimentos mais recentes do setor, os greenfields. "Depois de alguns anos vivenciando crises econômicas, o setor sucroenergético voltou a crescer na safra 2011/2012, sobretudo nesta região", afirma o diretor técnico da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica), Antonio de Pádua Rodrigues. "Com a crise econômica de 2008, os investimentos cessaram e vimos a área agrícola envelhecer. A primeira ação para a recuperação, inclusive com incentivo do Governo Federal (o Plano Safra Anual de 2011/2012 teve incentivo específico para expansão das lavouras de cana) foi renovar a área agrícola e expandir os canaviais. Nestas regiões, mais precisamente", diz.
Pádua acredita, ainda, que com a recuperação do setor e da própria economia, o segmento não vai parar de crescer. "Nem pode, mas a cana não está aí para atrapalhar outras culturas, pelo contrário, temos que somar pensando no desenvolvimento da economia agrícola do país".
De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a retomada dos investimentos no setor sucroenergético fez a área da produção goiana, na safra 2012/2013, crescer 9,2% em relação à safra anterior, chegando a 741 mil hectares plantados (o Sifaeg, sindicato da categoria, alega que foram 850 mil hectares).
Em Mato Grosso, este crescimento foi de 6,9%, com 235 mil hectares plantados e em Mato Grosso do Sul, o aumento foi de 15,2%, com 554 mil hectares cultivados. "Não vai parar por aí, até porque todo o setor espera que o governo apresente políticas públicas para incentivar a produção de cana-de-açúcar em todo o País. Isso, porém, não significa que estamos incomodando os produtores de outras culturas", diz Roberto Hollanda, presidente da Associação dos Produtores de Cana-de-Açúcar de Mato Grosso do Sul (Biosul).
Hollanda fala com a propriedade de quem se baseia em números: a área com o cultivo de soja só aumenta nos três Estados. Em Goiás, a estimativa para a safra 2013/2014 é que 2,81 milhões de hectares sejam cultivados com o grão; 2,1 milhões em Mato Grosso do Sul, de acordo com o levantamento do Projeto de Sistemas de Informação Geogrática do Agronegócio (SigaA-MS), do Sistema Famasul/Senar-MS, para a safra 2013/2014, e 27,4 milhões de hectares em Mato Grosso, segundo a Conab. "A área cultivada com cana-de-açúcar precisa de espaço. Ainda que aumente muito, as lavouras de grãos não estão ameaçadas. Estes produtores podem ficar sossegados", afirma
Fonte: Globo Rural
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