Eventos climáticos extremos, como chuvas intensas, vendavais, grandes secas devem ocorrer com mais frequência, intensidade e duração nos próximos anos em função das mudanças climáticas. É o que prevê o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) e o relatório do clima do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para o Brasil.
Esse último revela que o aumento da temperatura global deverá modificar a distribuição dos índices de evaporação e de umidade do ar, provocando, de um lado, chuvas mais intensas que podem levar à elevação do nível dos rios e ao alagamento das várzeas - traduzidas no inferno das enchentes. E de outro, causando secas mais prolongadas em áreas já castigadas pela escassez hídrica, como ocorre frequentemente no Semiárido nordestino.
"Se a gestão e conservação da água já eram uma questão central para o país antes, diante da superexploração dos recursos hídricos, a poluição dos rios e o mau uso do solo, agora, as consequências das mudanças climáticas concorrem para aumentar essa preocupação", diz Glauco Kimura de Freitas, coordenador do Programa Água para a Vida do WWF-Brasil. "Diante das atividades econômicas e dos ecossistemas que dependem dos rios, as populações precisam intensificar suas ações para se adaptar a esse novo cenário."
Recentemente, a Agência Nacional de Águas (ANA) introduziu nos planos de recursos hídricos das bacias hidrográficas programas de pesquisa e monitoramento para avaliar os riscos relativos às mudanças climáticas nos cenários críticos projetados pelo IPCC. "Levar as variáveis do clima em consideração e buscar alternativas que viabilizem o equilíbrio entre extremos de chuva e seca são ações necessárias em qualquer planejamento de gestão dos sistemas de água", afirma o coordenador de gestão estratégica da agência, Bruno Pagnoccheschi. "Mas é preciso reconhecer que não dispomos ainda de dados mais concretos sobre os efeitos da mudança do clima nas águas regionais."
O primeiro plano de recursos hídricos da ANA que abriu espaço para uma análise comparativa dos modelos climáticos do IPCC cobriu as sete ba cias afluentes da margem direita do Amazonas. Segundo esse estudo, a tendência é haver alterações de extremos. Esse estudo, segundo o técnico da ANA, sofre com a falta de dados históricos. "Os registros se referem a uma época em que as emissões humanas eram menores e ainda dentro do padrão de variabilidade hidrológica tradicional."
Para Pagnoccheschi, a variabilidade do clima no Brasil, principalmente no verão, dificulta as previsões. Muitas vezes, atividades humanas que levam a alterações no uso do solo, a construção de reservatórios e a retirada de água para irrigação nas bacias hidrográficas podem produzir resultados semelhantes aos que seriam causados por alterações do clima. Nas áreas urbanas, a situação é agravada pelas transformações causadas pela ocupação e impermeabilização das várzeas dos rios e a consequente redução da drenagem das águas pluviais durante as chuvas fortes.
Na Amazônia, principalmente, os eventos de excesso de chuva e seca podem estar associados à perda da biodiversidade e aos impactos no ciclo hidrológico provocados pelo desmatamento. Para evitar essa associação, os novos planos de bacias, como o do rio Doce (MG) e o Verde Grande (entre BA e MG), já preveem programas de ampliação das redes de monitoramento hidrometeorológico e de prevenção de eventos críticos.
O mesmo se aplica ao plano do rio São Francisco, que, após dez anos, começa a ser revisto. "Daqui a um ano começaremos a ter uma família de séries hidrológicas de boa qualidade, com longo período de dados e resultados um pouco mais consistentes", diz o técnico da ANA. Para completar, neste ano, o Brasil instituiu um sistema de controle via satélite dos rios fronteiriços e transfronteiriços, como o Amazonas e o Iguaçu, com o objetivo de avaliar o volume e a distribuição de água nas bacias compartilhadas com outros países.
De modo geral, os modelos de mudanças climáticas apontam para um risco de "savanização" de boa parte da Amazônia, secas mais intensas e mais frequentes no Nordeste, chuvas intensas e inundações nas áreas costeiras e urbanas das regiões Sudeste e Sul. Estudo da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), sobre os impactos ambientais, econômicos e sociais desse quadro, sugere que haverá uma diminuição da disponibilidade hídrica em quase todas as regiões do Brasil, especialmente nas bacias do Nordeste. A tendência é a diminuição das vazões dos rios, inclusive nas regiões nas quais haverá aumento de chuvas. Isso deve ocorrer como resultado das perdas por evapotranspiração causada pelo aumento da temperatura. "Em razão da gravidade já existente na oferta de recursos hídricos no Semiárido, os dados indicam que em apenas uma ou duas décadas, a situação poderá se tornar crítica", diz o engenheiro agrônomo Eneas Salati, coordenador do estudo.
Segundo Salati, é urgente que os órgãos de recursos hídricos, planejamento e ação social iniciem ou reforcem programas de gestão integrada, identificando situações mais graves e usos prioritários. Da parte das empresas, já existe uma tendência, inspirada nas "pegadas de carbono", padrão criado para acompanhar as emissões de dióxido de carbono, de desenvolver uma "pegada hidrológica", ou seja, a mensuração de quanto é gasto de água em cada operação e quanto é emitido de efluentes, para assim reduzir o volume captado na natureza.
O setor privado também tem adotado uma estratégia de parcerias com organizações não governamentais e comunidades vulneráveis para iniciativas de adaptação às mudanças climáticas. "Nosso objetivo é conservar áreas prioritárias para a produção de água ou bacias que abastecem grandes cidades para aumentar a resiliência e a capacidade desses ecossistemas de assimilar as prováveis mudanças climáticas que vão ocorrer", diz Gilberto Tiepolo, líder de estratégia socioambiental da The Nature Conservancy (TNC).
No Brasil, a entidade apoia e participa da formulação de políticas públicas, como o Produtor de Água, uma iniciativa da ANA que prevê o apoio técnico e financeiro à execução de ações de conservação da água e do solo mediante a concessão de incentivos. Em outros países da América Latina, como Equador, Colômbia e Peru, os recursos são encaminhados a fundos e reinvestidos na conservação. A ideia é que esses fundos atraiam contribuições voluntárias dos grandes usuários de água, como gasodutos, hidrelétricas e indústrias, e possam resultar em incentivos que impactem as comunidades que vivem nas bacias
Fonte: Valor
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