O plano de redução das contas luz anunciado pela presidente Dilma Rousseff está definitivamente ameaçado, se as usinas térmicas ficarem ligadas durante a maior parte do ano para poupar água dos reservatórios. Até dezembro, elas terão que continuar sendo acionadas a plena carga, se não chover o equivalente a pelo menos 80% da média histórica, segundo relatório de um grande banco de investimentos distribuído a clientes na sexta-feira.
Se isso ocorrer, o custo de manter 14 mil megawatts (MW) de térmicas em operação será de R$ 25,4 bilhões e levará a um reajuste de 23,6% das tarifas das distribuidoras deenergia em 2014, quando a despesa for integralmente repassada aos consumidores. O cenário parece alarmista, melhor apenas do que um racionamento, mas tornou-se bastante plausível. Até o fim da semana passada, choveu somente 63% da média histórica no subsistema Sudeste-Centro-Oeste - a maior caixa d´água do país - e 23% no subsistema Nordeste.
Na terceira revisão do programa mensal de operação, divulgada sexta-feira, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) prevê que as chuvas vão se intensificar até o fim de janeiro. Mesmo assim, fecharão o mês atingindo 78% no Sudeste-Centro-Oeste e 32% no Nordeste.
Para o banco de investimentos responsável pelo estudo, esse cenário de hidrologia baixa "compromete a confiabilidade do sistema" em 2014, quando haverá eleições presidenciais e Copa do Mundo. Faria os reservatórios do Sudeste-Centro-Oeste e do Nordeste chegarem a 31 de dezembro com apenas 26,1% e 30%, ainda abaixo dos níveis verificados ao término de 2012 e muito perto do limite mínimo de segurança para a operação do sistema.
A estimativa contempla um crescimento de 5% do consumo de 2013. Não se trata de uma hipótese absurda, levando em consideração que, mesmo com o "pibinho" do ano passado, houve aumento de 3,6% até novembro.
Se a hidrologia for boa, e chover exatamente como o padrão histórico, a necessidade de acionamento das térmicas se restringiria a 5,9 mil MW médios e os reservatórios acabariam o ano com mais folga, acima dos limites de segurança. Mesmo assim, sobraria uma conta de R$ 4 bilhões para o rateio dos consumidores, com impacto de 3,7% nos reajustes das distribuidoras em 2014.
Qualquer que seja o cenário de agora até dezembro, especialistas afirmam que o baixo nível dos reservatórios e a necessidade de uso ainda indefinido das térmicas contaminaram os preços de todo o ano no mercado livre de energia, onde a maioria das indústrias busca fornecimento.
Além disso, houve uma freada nos negócios de longo prazo (contratos com pelo menos um ano de duração), já que os preços dispararam. "A procura caiu entre 75% e 80%", afirma o presidente da comercializadora de energia Comerc, Chistopher Vlavianos. "Nós mesmos aconselhamos os clientes a fechar contratos de longo prazo em um momento mais tranquilo. Agora se vive um estresse no mercado."
O sócio-diretor da Ecom Energia, Paulo Toledo, corrobora essa percepção. "Toda vez que o preço de mercado fica muito estressado, existe uma diminuição do volume de negócios, até pelas dúvidas que se criam. A tendência é de redução momentânea, por causa da perda de referência de preços. Mas uma coisa está clara: eles estão contaminados pelo resto do ano inteiro. Os reservatórios estão melhorando um pouco e temos três meses de chuva pela frente, mas dificilmente vamos chegar ao fim do período úmido em um patamar confortável. O estresse ainda continuará."
De acordo com Toledo, os contratos com duração de um ano estavam sendo negociados a R$ 75 ou R$ 80 por megawatt-hora no início de 2012, mas já subiram para patamar de R$ 200 a R$ 210 nas últimas semanas. Para fornecimento de um ano, a partir de 2014, o preço recua para R$ 140 a R$ 145. Por isso, a recomendação para quem tem a necessidade agora de suprimento de energia é fechar contratos com duração mais longa, de três a quatro anos. Assim, segundo os especialistas, pode-se diluir os altos preços que estão sendo pedidos por um prazo maior.
"Hoje, ninguém consegue encontrar contratos com um ano de duração abaixo de R$ 140 por megawatt-hora", reforça Carlos Faria, presidente da Anace, associação que representa consumidores livres de energia. "Entendemos que a chance de um racionamento em 2013 é muito baixa, mas a probabilidade de mantermos as térmicas ligadas por muito tempo é alta, o que pressiona bastante os preços."
Diante do quebra-cabeça em que se transformou a estratégia dos grandes consumidores para o suprimento de energia, uma novidade agradou à indústria: a MP 579, que prorrogou as concessões e foi convertida em lei na semana passada, abriu caminho para a venda de excedentes de eletricidade. Tratava-se de uma reivindicação antiga do setor, que ainda depende de regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mas foi bem recebida pelas empresas.
Hoje, quando não consome toda a energia de seus contratos no mercado livre, as empresas só podem vender a sobra a um valor tabelado: o preço de liquidação das diferenças (PLD), atualizado semanalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Com a mudança promovida pela Lei 12.783, os consumidores livres ganharam segurança para fechar contratos mais longos, porque podem revender no mercado aenergia que não foi consumida, sem amarras.
Segundo levantamento recente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), cerca de 20% das necessidades de seus associados estava com contratos expirando em 2013. Mesmo com o desconto prometido nas contas de luz a partir de março, que pode chegar a 28% no caso das indústrias eletrointensivas, a previsão é que quase ninguém saia do mercado livre e volte para a clientela das distribuidoras - condição para desfrutar integralmente da queda de tarifas.
Vlavianos, da Comerc, lembra um ponto que deve evitar o movimento de volta das indústrias ao mercado regulado. Para recebê-las como clientes, as distribuidoras precisariam contratar mais suprimento de energia, o que está caro no momento atual. Portanto, diante de eventuais pedidos de empresas, tendem a usar o direito de pedir um prazo de cinco anos para atender à demanda.
De qualquer forma, é grande a chance de que os consumidores tenham uma alta forte das tarifas, tanto no mercado livre quanto nos reajustes das distribuidoras.
Fonte: Valor
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