O Brasil está prestes a perder uma enorme vantagem mundial conquistada com muito esforço e muitos investimentos em quase quarenta anos para produzir em grande escala um combustível renovável. Falo do etanol que puro ou misturado à gasolina abastece a frota de veículos leves do País. Um exemplo único, no Planeta.
A cana-de-açúcar remonta ao início da colonização do Brasil, quando os canaviais destinavam-se à fabricação de açúcar para suprir as demandas europeias. Está entranhada em nossa cultura de modo indissolúvel. Os choques do petróleo, nos anos 70, e a introdução mais recente dos motores bicombustíveis (flex) no mercado nacional de automóveis determinaram o caminho trilhado na produção de etanol, reforçado desde o início deste século pelo necessário crescimento da participação dos biocombustíveis na matriz energética do mundo para contribuir com a conservação ambiental.
Usando a justificativa que o atual governo anuncia ser sua maior preocupação, do ponto de vista de retorno social a indústria sucroenergética tem alta relevância por sua enorme capacidade de gerar empregos e também valor econômico; suprir mais da metade do consumo de combustíveis da frota de veículos leves; gerar bilhões de dólares em divisas por meio de exportações e pela substituição de importações; e adicionar significativo potencial elétrico às redes de energia. São Paulo, por exemplo, estima que em 2020, 69% da energia ofertada no estado poderá vir de fontes renováveis, aí incluídos o etanol, bagaço de cana e outras formas de biomassa (46%).
Mas a situação atual da nossa lavoura canavieira é dramática - a situação de 70 mil fornecedores de cana-de-açúcar do País é quase terminal. Carente de muitos cuidados está também a saúde financeira e operacional das usinas de açúcar e álcool, especialmente depois do esforço de sobrevivência que têm desempenhado para manter suas atividades e abastecer os mercados interno e externos após a crise de 2008. Nos últimos dois anos, quase quarenta delas fecharam as portas.
Indústria de cana já não é a mais competitiva
Como deputado federal por São Paulo tenho feito alertas e apoiado as reclamações dos produtores, das indústrias, dos trabalhadores, pesquisadores e de uma extensa cadeia de atividades e negócios que integram o setor sucroenergético – inclusive com emendas e projetos ao Parlamento. O Governo Federal sabe disso, mas não se move.
Segundo a empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério Minas e Energia (MME), criada também para subsidiar o planejamento do setor energético brasileiro, a demanda prevista de etanol combustível para 2021 é de 68 bilhões de litros, muito mais do que o dobro da oferta prevista para a safra 2013/2014. Será necessário por a funcionar 100 novas unidades produtoras e moer 1,1 bilhão de toneladas de cana ao invés das atuais 620 milhões de toneladas de cana processadas hoje, com investimentos de no mínimo R$ 71 bilhões.
Uma análise da equipe de bioenergia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sobre a evolução das tecnologias agrícolas do setor sucroenergético, apresenta um diagnóstico das nossas urgentes necessidades. Até o fim da década passada, a produção brasileira de cana-de-açúcar era celebrada como paradigma mundial de eficiência agrícola. Mas nos últimos anos passou a apresentar outra trajetória, com anos seguidos de reduções de produtividade. O Brasil já não tem a indústria de cana mais competitiva do mundo.
O aumento dos custos de produção de etanol e açúcar, onde a parcela agrícola beira os 70%, torna o lento crescimento de produtividade dos canaviais ainda mais preocupante. O aumento do consumo doméstico de gasolina em detrimento do etanol ilustra a perda relativa de competitividade do setor. O governo estimula a compra de veículos – com motores flex, que deveriam privilegiar o consumo do biocombustível – mas mantem a gasolina importada subsidiada, prejudicando inclusive a capacidade de investimento da Petrobras.
Por seu tamanho ainda relativamente pequeno no mundo, a cultura da cana atrai pouco interesse no desenvolvimento de novas tecnologias. A análise do BNDES indica um agravamento do clássico problema advindo da discrepância entre os retornos privado e social do investimento em pesquisa e desenvolvimento. Assim o investimento no desenvolvimento tecnológico vem em ritmo e intensidade incompatíveis com a importância do setor para o Brasil.
Por isso é necessária a criação de mecanismos que compatibilizem os retornos privado e social do investimento para desenvolver novas tecnologias agrícolas e gerar estímulo suficiente à inovação mais rápida e radical, como a do etanol de segunda geração.
Políticas públicas urgente
De qualquer forma essa questão crucial de pesquisa e desenvolvimento deve estar inserida em política pública transparente para a cadeia sucroenergética. O governo precisa tomar decisões urgentes sob pena de ser cobrado pelos eleitores e gerações futuras de deixar uma atividade útil, extensiva e tipicamente brasileira morrer na praia.
Insisto que o primeiro componente dessa política deve fixar claramente a cultura da cana e a produção de etanol como prioritárias para o País continuar se desenvolvendo de maneira sustentável no campo e nas cidades. É preciso dizer sem falsas vergonhas, que como combustível renovável e características produtivas o etanol merece condições setoriais diferenciadas para a agroindústria sucroenergética e suas cadeias. Começa por uma clara definição da política de preços, desvinculada do preço da gasolina mantido artificialmente .
Isso inclui incentivos e diferenciações fiscais, inclusive quanto ao preço do combustível fóssil concorrente – a gasolina – por causa das desvantagens ambientais do seu consumo. A CIDE deve ser usada na sua função regulatória. E a definição com todas as letras do espaço do etanol e da bioeletricidade na matriz energética nacional, como fez o governo paulista ao apresentar à sociedade o Plano Paulista de Energia – PPE, conjunto de diretrizes e propostas de políticas públicas na área da energia, para o decênio 2011-2020.
Nessa política nacional precisam estar incluídos os esforços de logística – como os investimentos em dutos de transporte de etanol e os terminais portuários, caminhos hidroviários e ferroviários já projetados – que estão sendo desenvolvidos pelo setor privado e até pela Petrobras, parceira de empresas em projetos de produção do biocombustível. E, lógico, o setor automobilístico e as iniciativas de mobilidade urbana municipais.
O setor sucroenergético é forte indutor de progresso para os municípios. Dele dependem milhares de brasileiros que contribuem também para um país melhor. E esses brasileiros estão dizendo ao governo que chegaram ao limite, devem passar a falar mais alto, mais claramente e passar a se mobilizar para garantir que a lavoura canavieira e o nosso etanol não sucumbam.
Arnaldo Jardim Deputado Federal PPS/SP é Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura Nacional
Fonte: Arnaldo Jardim
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